quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Odiados Pela Nação - Black Mirror, Jurisdição e o Efeito Lúcifer



Você não odeia quando vai abrir a sua rede social - qualquer que seja - e não demora muito para que um “Juiz da Internet” apareça com o dedo apontado, expondo sentenças sem nenhuma empatia ou pudor?

Pois é, é quase um absurdo como o internauta tem facilidade de se posicionar contra qualquer assunto - sem ao menos ter conhecimento sobre ele - e discutir com fervor sobre mínimos detalhes.


O que se vê são pessoas que transferem para internet aquele pensamento interno de forma agressiva, sem pensar de que forma isso pode atingir quem vai ler aquele comentário no futuro. Sem falar que, estar protegido do outro lado da tela é fácil, seguro demais. 
Ir contra algum fato e discordar não é o problema, no entanto agredir, reclamar usando palavras agressivas, falando sem olhar quem pode ser atingindo pela mensagem é um problema que só vem crescendo no meio.

E só nos falta indagar como seria se não houvessem as telas do computador, celular ou tablet para torná-los os corajosos da web? Provavelmente, muitos se calariam e pensariam antes de se expressar, descobertos da proteção do anonimato.


Para ilustrar o assunto, podemos citar um dos episódios mais competentes da série Black Mirror, produzido pela Netflix: Odiados Pela Nação.
O episódio retrata o discurso de ódio inconsequente nas redes sociais, mostrando uma sociedade que julga com ressentimento cego uma pessoa em particular. Esse ato, refletido em situações que encontramos no dia a dia, causa uma reflexão instantânea do comportamento humano ao interagir com o espaço virtual.

Nesse episódio, as pessoas utilizam uma rede social como o Twitter para participar de um “jogo” online mortal, onde no final de todos os dias, a pessoa mais votada através da hashtag “DeathTo” - ou “MortePara”, em português - seria atacada e morta. Porém, apesar de bizarro e absurdo, o jogo tem milhares de participantes que não parecem se importar com o lado mortal da “brincadeira”, é apenas uma coisa que se faz e quem participa não enxerga as consequências reais e diretas do que fez.

O uso das abelhas-robô como ataque àqueles “julgados pela nação” causa uma poderosa ferramenta de crítica visual, quando inúmeros daqueles robôs anônimos poderiam muito bem representar a massa de pessoas que se junta para destruir a vida de alguém através das redes sociais.



Entendemos ao logo do episódio que o ódio se liga ao poder penal, nos transmitindo uma sensação de autoridade dentro da sociedade.

Seja por um fato do momento, uma personalidade, um criminoso, um político ou algo banal - como estilo individual - pessoas são julgadas de forma agressiva. Trazendo à mesa diferenças que já sofrem grandes desafios sociais mesmo fora da internet, como cor de pele ou orientação sexual.   

Vemos casos de insultos, ofensas e difamação: cidadãos comuns colocam suas máscaras e expõem um lado cruel e podre. Temos em mão uma poderosíssima ferramenta de avaliação: se não gostamos do atendimento na lanchonete, corremos para a página da mesma, e soltamos o verbo. Se a pessoa é agressiva com o próximo ou com alguma situação, criamos movimentos. Reprovamos com “deslikes” pessoas que agem de forma contrárias as nossas.

Estamos quietos, confortáveis em nossos tablets, smartphones e computadores podendo agir como bem quisermos, os juízes da internet que tem em seus dedos o poder de arruinar a uma pessoa e por muitos acharem que estão isentos de consequências, falam coisas que nunca sairiam da boca se a situação fosse cara a cara.

E no fim, são essas pessoas que podem até não bater o martelinho de fato, mas de forma indireta tornam-se juízes no tribunal dentro da internet.

Entretanto, ao contrário do que pode parecer, usar as redes sociais para ofender ou denegrir alguém pode sim render em processo civil e criminal, além do pagamento de indenização.



De acordo com o artigo “Discursos de Ódio em Redes Sociais: Jurisprudência Brasileira”, pulicado pela Revista Direito GV - São Paulo, no ano de 2011, essa problematização de discursos de ódio não é essencialmente nova. Porém, tornou-se mais complexa e potencializada por uma roupagem tecnológica, e exige atitudes adequadas por parte dos entes encarregados da proteção do ser humano em sua dignidade, como por exemplo, o Estado.

O artigo ainda sublinha que quanto maior o poder de um instrumento de veiculação, maior a propagação e prejuízo das ideias ali formadas. O que não é diferente com a internet, que facilitou a propagação de ideias e opiniões a uma massa muito maior de pessoas.

O desafio na punição de pessoas que abusam do meio para denegrir outras é a falta de tipificação legal desses discursos de ódio, sendo que no Brasil, são poucos que possuem leis próprias e específicas para eles. Além de que, os desafios legais em criar novas leis para os novos âmbitos da internet se provam extremamente difíceis, em vista de que existe uma preocupação em não ferir a privacidade dos usuários e conseguir interpretar esse cenário que muda com tanta rapidez para processos burocráticos longos.

Mas as leis estão se atualizando e já vemos casos sendo julgados e pessoas sendo punidas por ações na internet, como o Jornaleiro que ficou 7 meses preso por xingar juiz no Facebook e estudante que foi indenizada após ser insultada na rede social.




A grande questão é: por que essas pessoas comuns, que convivemos no dia a dia, comportam-se de uma forma online e de outra off-line?


De acordo com o renomado psicólogo do experimento de Stanford, Philip Zimbardo, o que transforma radicalmente o comportamento da pessoa não é se ela é “má por natureza” ou não, mas a situação.

Como isso se incorpora ao comportamento das pessoas online e o ódio propagado na internet? A resposta é o anonimato e a falta de consequências. No seu livro “O Efeito Lúcifer: Como que boas pessoas se tornam más”, Zimbardo explica que mesmo boas pessoas podem agir cruelmente, dada a situação em que são inseridas, principalmente se for lhe dado poder.



A internet traduz uma situação favorável para esse “Efeito Lúcifer” - como o autor explica, Lúcifer era um anjo adorado por deus, que desobedeceu as leis e foi exilado para o inferno, transformando-o (pela situação) no demônio que compreendemos hoje.

O anonimato e a falta de consequências para os atos online são exponenciais para certos comportamentos, transmitem poder e multiplicam a possibilidade de “maçãs boas” tornarem-se pessoas ruins online. Por isso que, quando essas pessoas são expostas, voltam atrás, pedem desculpas, retratam-se: elas não imaginam que estão sendo observadas e deixam a pior parte delas exposta.

As circunstâncias online favorecem os julgamentos, os xingamentos, a 
imprudência e a única forma de diminuir esses casos é vigiar, lembrar às pessoas que o que elas dizem e fazem na internet tem consequências reais, que vão além da máscara que usam para se esconderem na web e que existe vida lá fora.


E por isso, lembrem-se, galerinha, antes de postar algo na internet: Nós estamos de olho!



Links Bacanas:

Mais sobre Odiados Pela Nação (Black Mirror):

Entrevista “Ódio na Internet” com o Dr. Cláudio Rabelo: https://www.youtube.com/watch?v=jJYvspPIgVY

Palestra Philip Zimbardo sobre comportamento humano e consequências: https://www.youtube.com/watch?v=OsFEV35tWsg


Tags: Redes Sociais; Ódio; Black Mirror; Comportamento; Psicologia; Discussão.



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