Você não odeia quando vai
abrir a sua rede social - qualquer que seja - e não demora muito para que um
“Juiz da Internet” apareça com o dedo apontado, expondo sentenças sem nenhuma empatia
ou pudor?
Pois é, é quase um absurdo
como o internauta tem facilidade de se posicionar contra qualquer assunto - sem
ao menos ter conhecimento sobre ele - e discutir com fervor sobre mínimos
detalhes.
O que se vê são pessoas que transferem
para internet aquele pensamento interno de forma agressiva, sem pensar de que
forma isso pode atingir quem vai ler aquele comentário no futuro. Sem falar
que, estar protegido do outro lado da tela é fácil, seguro demais.
Ir contra algum fato e
discordar não é o problema, no entanto agredir, reclamar usando palavras
agressivas, falando sem olhar quem pode ser atingindo pela mensagem é
um problema que só vem crescendo no meio.
E só nos falta
indagar como seria se não houvessem as telas do computador, celular ou tablet
para torná-los os corajosos da web? Provavelmente, muitos se calariam e
pensariam antes de se expressar, descobertos da proteção do anonimato.
Para ilustrar o assunto, podemos citar um dos episódios
mais competentes da série Black Mirror, produzido pela Netflix: Odiados Pela
Nação.
O episódio retrata o
discurso de ódio inconsequente nas redes sociais, mostrando uma sociedade que
julga com ressentimento cego uma pessoa em particular. Esse ato, refletido em
situações que encontramos no dia a dia, causa uma reflexão instantânea do
comportamento humano ao interagir com o espaço virtual.
Nesse episódio, as pessoas utilizam
uma rede social como o Twitter para participar de um “jogo” online mortal, onde
no final de todos os dias, a pessoa mais votada através da hashtag “DeathTo” - ou
“MortePara”, em português - seria atacada e morta. Porém, apesar de bizarro e
absurdo, o jogo tem milhares de participantes que não parecem se importar com o
lado mortal da “brincadeira”, é apenas uma coisa que se faz e quem participa não
enxerga as consequências reais e diretas do que fez.
O uso das abelhas-robô como ataque àqueles “julgados pela nação” causa uma poderosa ferramenta de
crítica visual, quando inúmeros daqueles robôs anônimos poderiam muito bem
representar a massa de pessoas que se junta para destruir a vida de alguém
através das redes sociais.
Entendemos ao logo do
episódio que o ódio se liga ao poder penal, nos transmitindo uma sensação de
autoridade dentro da sociedade.
Seja por um fato do momento,
uma personalidade, um criminoso, um político ou algo banal - como estilo
individual - pessoas são julgadas de forma agressiva. Trazendo à mesa
diferenças que já sofrem grandes desafios sociais mesmo fora da internet, como
cor de pele ou orientação sexual.
Vemos casos de insultos,
ofensas e difamação: cidadãos comuns colocam suas máscaras e expõem um lado
cruel e podre. Temos em mão uma poderosíssima ferramenta de avaliação: se não
gostamos do atendimento na lanchonete, corremos para a página da mesma, e
soltamos o verbo. Se a pessoa é agressiva com o próximo ou com alguma situação,
criamos movimentos. Reprovamos com “deslikes” pessoas que agem de forma
contrárias as nossas.
Estamos quietos,
confortáveis em nossos tablets, smartphones e computadores podendo agir como
bem quisermos, os juízes da internet que tem em seus dedos o poder de arruinar
a uma pessoa e por muitos acharem que estão isentos de consequências, falam
coisas que nunca sairiam da boca se a situação fosse cara a cara.
E no fim, são essas pessoas
que podem até não bater o martelinho de fato, mas de forma indireta tornam-se juízes
no tribunal dentro da internet.
Entretanto, ao contrário do
que pode parecer, usar as redes sociais para ofender ou denegrir alguém pode
sim render em processo civil e criminal, além do pagamento de indenização.
De acordo com o artigo “Discursos
de Ódio em Redes Sociais: Jurisprudência Brasileira”, pulicado pela Revista Direito GV - São Paulo, no ano de 2011, essa problematização de
discursos de ódio não é essencialmente nova. Porém,
tornou-se mais complexa e potencializada por uma roupagem tecnológica, e exige
atitudes adequadas por parte dos entes encarregados da proteção do ser humano
em sua dignidade, como por exemplo, o Estado.
O
artigo ainda sublinha que quanto maior o poder de um instrumento de veiculação,
maior a propagação e prejuízo das ideias ali formadas. O que não é diferente
com a internet, que facilitou a propagação de ideias e opiniões a uma massa muito
maior de pessoas.
O
desafio na punição de pessoas que abusam do meio para denegrir outras é a falta
de tipificação legal desses discursos de ódio, sendo que no Brasil, são poucos
que possuem leis próprias e específicas para eles. Além de que, os desafios
legais em criar novas leis para os novos âmbitos da internet se provam
extremamente difíceis, em vista de que existe uma preocupação em não ferir a
privacidade dos usuários e conseguir interpretar esse cenário que muda com
tanta rapidez para processos burocráticos longos.
Mas as leis estão se atualizando e já vemos
casos sendo julgados e pessoas sendo punidas por ações na internet, como o Jornaleiro
que ficou 7 meses preso por xingar juiz no Facebook e estudante que foi indenizada
após ser insultada na rede social.

A grande questão é: por que
essas pessoas comuns, que convivemos no dia a dia, comportam-se de uma forma
online e de outra off-line?
De
acordo com o renomado psicólogo do experimento de Stanford, Philip Zimbardo, o
que transforma radicalmente o comportamento da pessoa não é se ela é “má por
natureza” ou não, mas a situação.
Como
isso se incorpora ao comportamento das pessoas online e o ódio propagado na
internet? A resposta é o anonimato e a falta de consequências. No seu livro “O
Efeito Lúcifer: Como que boas pessoas se tornam más”, Zimbardo explica que
mesmo boas pessoas podem agir cruelmente, dada a situação em que são inseridas,
principalmente se for lhe dado poder.

A internet traduz uma
situação favorável para esse “Efeito Lúcifer” - como o autor explica, Lúcifer
era um anjo adorado por deus, que desobedeceu as leis e foi exilado para o
inferno, transformando-o (pela situação) no demônio que compreendemos hoje.
O anonimato e a falta de
consequências para os atos online são exponenciais para certos comportamentos,
transmitem poder e multiplicam a possibilidade de “maçãs boas” tornarem-se
pessoas ruins online. Por isso que, quando essas pessoas são expostas, voltam
atrás, pedem desculpas, retratam-se: elas não imaginam que estão sendo
observadas e deixam a pior parte delas exposta.
As circunstâncias online
favorecem os julgamentos, os xingamentos, a
imprudência e a única forma de diminuir esses casos é vigiar, lembrar às pessoas que o que elas dizem e fazem na internet tem consequências reais, que vão além da máscara que usam para se esconderem na web e que existe vida lá fora.
imprudência e a única forma de diminuir esses casos é vigiar, lembrar às pessoas que o que elas dizem e fazem na internet tem consequências reais, que vão além da máscara que usam para se esconderem na web e que existe vida lá fora.
E por isso, lembrem-se,
galerinha, antes de postar algo na internet: Nós estamos de olho!
Links Bacanas:
Mais sobre Odiados Pela
Nação (Black Mirror):
Review do episódio: http://www.planoaberto.com.br/2016/critica-black-mirror-3x06-odiados-pela-nacao/
Análise do episódio: https://www.youtube.com/watch?v=HVsBHToOTCU
Entrevista “Ódio na Internet”
com o Dr. Cláudio Rabelo: https://www.youtube.com/watch?v=jJYvspPIgVY
Palestra Philip Zimbardo
sobre comportamento humano e consequências: https://www.youtube.com/watch?v=OsFEV35tWsg
Ofensa pela internet também
é crime, caso jurídico: https://posocco.jusbrasil.com.br/noticias/426609484/ofensa-pela-internet-tambem-e-crime
Tags:
Redes Sociais; Ódio; Black Mirror; Comportamento; Psicologia; Discussão.
